quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Clama

Palavra
Texto que testa
Aquilo que existe
Na cor consiste
Proclama

Palavra
Vento que leva
A veia da questão
Na contramão
Reclama

Palavra
Larva que lavra
A lava do saber
Ala o ser
Conclama

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Quem és?

És a minha companheira
Desses momentos mais tristes
Os meus suspiros dementes
Com paciência ouvistes

Acaricias meu rosto
Quando ferem-me os espinhos
E lavas toda minha alma
Quando findam meus caminhos

És cristalina, és límpida
Ao turvar-se minha vida
És uma gota salgada
Que recai sobre a ferida

Minha lágrima querida

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Átomos divisíveis

Há vida na esquina daquelas galáxias distantes
E eu durmo
O tempo passa agora mais rápido que antes
E eu esqueço
O caos reside no cerne da própria ordem
E eu arrumo
Trabalho ingrato e incessante que extenua
E eu mereço

Meus átomos viajam na velocidade do som
E eu canso
Meus pensamentos voam na velocidade da luz
E eu brilho
Meu corpo roda nas elipses da órbita terrestre
E eu danço
Pelo misterioso caminho que à humanidade conduz
E eu trilho

O frio na barriga que esta sensação dá
E eu nego
A dúvida cruel que entrava tudo que há
E eu vou
O Cosmos e a filosofia persistentes a negar
E eu pego
Ínfimo, flutuando no infinito meu ser está
E eu sou

sábado, 26 de outubro de 2013

A Praça

Com seu coreto correto
O som da banda, concreto
E o namoro discreto
Num banco de jardim

Tem uma moça bonita
Que pela noite transita
E toda praça ela fita
Até olhou pra mim

Bem depois da zero hora
Pela madrugada afora
Tem rapaz que traga e cora
Um tipo de capim

E mal amanhece o dia
Todo o povo em romaria
Anda e ora em cantoria
Pro seu Jesus Cristin'

Vem depois um homem forte
Que trepado num caixote
Brada aos ventos o seu mote
Meu povo, vote em mim

No jornal saiu escrito
Que um poeta muito novo
Disse que a praça é do povo
E o aroma do jasmim

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Guerra

Nuvens de aço
Chuva de sal
A Terra tomada pelo mal
Apocalipse
O dia todo, um eclipse
À noite, cansaço

Mares de dor
Rios de sangue
Em chamas a mata, o mangue
Insanidade
Por todo lado, calamidade
Por dentro, terror

Montes de ossos
Campos de morte
Violência e desmandos de toda sorte
Genocida
Metade de tudo, perdida
O resto, destroços

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Conselhos

Se está esperando explicação, sente
Pois o mistério do que se é, vê e sente
Com certeza não cabe na mente
Quem discorda engana-se, ou mente

Se o medo lhe trava, enfrente
Nada é mais vital que seguir em frente
Continue sempre procurando a lente
Que amplie a serenidade, que te alente

Estar aberto a toda a gente
Faz de você o principal agente
De sua vida, da alegria corrente
Desfaz amarras, solta a corrente

Não faça questão de registrar patente
Que a necessidade de compartilhar é patente
Se achar que vale a pena, tente
Evite que o egoísmo lhe tente

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mortus est

Quando eu morrer quero que seja totalmente
Cada fibra do meu corpo relaxar
Deixar de existir no presente
Apagar o meu passado
Quero ser esquecido completamente
Tudo que fiz, apagado
Minhas palavras se percam no vento
Meu corpo apodreça ao relento
Meus ossos virem pó
Para que nem um ínfimo momento
Da vida de quem quer que seja
Padeça da triste lembrança
De que vivi só

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sinapses

A perda de um amor
A triste despedida
Transfigura uma vida
Causa tamanho torpor
Quando arrebata o âmago do ser
Descartando apenas a centelha crua
Que mais perto da morte nos situa
E até lá o tempo todo para esquecer

domingo, 20 de outubro de 2013

Turbilhão

De manhâ com sono
No almoço com fome
À tarde com raiva
E de noite com tesão
Mais nove meses
Mais outro filho
Pra dividir
O arroz e a ilusão

Manhã com tesão
O almoço com raiva
De tarde com sono
E de noite com fome
Não tem comida
Só tem bebida
Pra te fazer
Esquecer até seu nome

De manhã é tarde
O almoço à noite
O sono com fome
E a raiva com tesão
Bem misturados
Por dentro e fora
Sendo arrastados
Pelo grande turbilhão


sábado, 19 de outubro de 2013

Minha dor

Minha dor é feia, egoísta e doente
Não tem motivo aparente
Vem de dentro, do fundo, do começo
É só, e é tudo o que eu tenho
Sou eu, e é tudo o que eu mereço

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Ciranda

Sobre os ombros o mundo
Sob os pés o vazio
No íntimo o desalento e um frio
Que congela tudo em um segundo

Sobre os ombros o frio
Sob os pés  mundo
O desalento que flui lá no fundo
Do íntimo gelado e vazio

Sobre os pés os ombros
No íntimo o desalento
O frio que dá no exato momento
Que transforma o mundo em escombros

No íntimo o mundo
Que flui de momento a momento
Em primeiro chega o frio desalento
O vazio que gela os pés, em segundo

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Escadas

Apático
Telepaticamente patético
Potencialmente patológico
Perplexo perante o espelho

Estático
Estruturalmente estético
Estatisticamente estúpido
Estupefato estorvo meu

Escravo, escrevo escadas
Para escalar minhas escapadas
Escroque, escavo escrúpulos e excrementos
Na escória do meu ser... Esquecer

ESC

Babel
















Do triste sítio onde assisto
Tenho a mais clara visão
Do desejo que eu insisto
Inutilmente alcançar
Se a vida responde não
 
A tentadora impressão
De que há proximidade
Transforma em abismo o vão
Imponente a separar
Meu sonho da realidade
 
Esta será a ruína
Para quem no ciclo eterno
Desejar a mesma sina
O mais alto céu tocar
Das profundezas do inferno

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ausência

Eu tenho certeza de que estás enganada
E duvido de tudo que outrora foi certo
Se o que há entre nós já não tem mais conserto
É que a vida ao redor está transfigurada

Já não vejo de teus ternos olhos o brilho
E se algo brilha é minha lágrima gelada
Que cai da pétala da rosa destroçada
Que jaz pelo espinhoso caminho que eu trilho

Por uma gota de você cruzo um deserto
Imploro, me atiro ao chão, me arrasto, me humilho
E tudo isso é melhor que sofrer o exílio
Conflitante de não tê-la, assim tão de perto

domingo, 13 de outubro de 2013

Autorretrato

A ponta do lápis me fere
E com meu sangue ela escreve
Minha mão se move com delicadeza
Mas é meu cérebro que se convulsiona em movimentos febris
Algo além de mim escreve estas palavras
E nesses momentos sou tão eu mesmo que me desconheço

Futuro

Uma alegria imensa me invade
E eu covarde desconverso
Penso numa rima, desvirtuo o verso
Mas como fugir ao inexpugnável
Minha tristeza fiel foi feita em pedaços
O carinho que sinto mal cabe em meus braços
A música segue meus passos
E sou feliz

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Minotauro

Através de caminhos estreitos
Estufam-se os peitos
Gelam-se os estômagos

E nesse emaranhado infinito
É que nasce o conflito
O que pensamos ser, o que somos

Criações da divina providência
Um aglomerado de átomos
Uma coincidência

Únicos, singulares, especiais
Maçante repetição genotípica
E psicológica, todos iguais

Caminhos emaranhados e estreitos
Cruzam-se no peito que chora
Desembocam no estômago da questão
Que impassivelmente nos devora

Talvez deste labirinto
Haja mais de uma saída
Uma sem volta, outra sem ida

Ou talvez nam haja entrada

Meros prisioneiros da caverna
Vendo sombras nas paredes
Mais nada

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Redenção

Para enfrentar o meu medo
Purificar minha alma
Vou começando bem cedo
A planejar com mais calma
Como escalar meus escolhos

Vou suportar toda dor
E apagar todo ódio
Vou me privar do amor
E verterei todo sódio
Gota por gota dos olhos

E em silêncio o farei
Pois esta trilha é só minha
Isso é tudo o que sei
Deixo de tudo o que tinha
E minha sina eu acolho

Peço coragem apenas
Para sair da penumbra
Com minha fé, mas sem penas
Para, enxergando só sombras
Não me ferir nos abrolhos

Findo este débito meu
Mórbida têmpora fria
Cálido espírito ao léu
Próximo o último dia
Este será meu espólio

Mosto

A uva não vinha só
Vinha em bando, ruiva
Como vinha
E agora esta uva sozinha

Sofrendo choravam um
Rio infindo, rubro
Como vinho
E hoje um caroço mesquinho

A uva ficou tão só
Vem em prantos, rude
Como venho
Formando este triste desenho:

Acho que o cacho se desmanchou
E do bagaço quente restou
Infelizmente
O aço

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Supernova

Do fundo abismo indissociável dos pensamentos loucos
De gravidade infinita, de onde nem sequer a luz escapa
Surgem ideias ao avesso, ou ainda, surge numa só etapa
Um universo invertido, na colossal explosão de gritos roucos

O hélio que inflama e incendeia a sanidade aos poucos
E consome a realidade, e consome esta cena abstrata
Também ilumina, num facho brilhante que reflete e refrata
A criatividade e o gênio, nos olhos míopes e ouvidos moucos

domingo, 6 de outubro de 2013

Estrela

Com seu brilho intenso
Que de longe se vê
E que longe a mantém

Bem sabe que o calor
Que consome o entorno
Consome o interno também

Invejosa dos planetas
Entorpecidos nas elipses insanas
A girar
Orbita imóvel a tristeza
Sozinha no universo a vagar

Quisera não habitar o infinito
E sim um lugar mais bonito
Antes fosse estrela-do-mar

sábado, 5 de outubro de 2013

Ide

Admitir que em si reside
O maior dos obstáculos
Ter a força poderosa
Que é a vida, protegida
Como pelo domo a rosa
Nos mais frágeis receptáculos
É isso que nos divide

Perceber que em si incide
A monumental questão,
Entender a eternidade
Só no tempo de uma vida
Amar toda a humanidade
Num pequeno coração.
É possível, não duvide

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Parte

Quem parte morre em parte
Para si e pra quem fica
O porte triste indica
Um elo que se parte

Parado frente à porta
Porta-se o tempo mal
Fere de forma tal
Que nada mais importa

Assim como no parto
Ao cortar de um cordão
O que era profundo pacto
Torna-se estável união

E muitos quilômetros de saudade

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Dose

Espalha-se na boca
Espelha-se na alma
Tenciona o peito do pé
As costas da palma
Franze a fronte fria
Anoitece o dia
Fortalece a fé
Quando a fé é pouca
Deixa embargada a voz
Que já andava rouca
Trava a garganta
Rasga os pulmões
Revela-nos sós
Entre multidões
Estanca sonhos
Cicatriza esperanças
Coagula ilusões
Os céticos espanta
Acalanta os que creem
Aos que vão, aos que vem
Faz as vias intransitáveis
Gela
Imola
Cala
 
O amargo remédio dos incuráveis

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sutil magnitude

O sublime é tão frágil, tênue dom
Esperança, vontade, vida, fé
Isso é tudo, mas também nada é
Invisível grandeza do que é bom

Na muda velocidade do som
O mal conspira nas trevas até
Que caia tudo que estava de pé
Que desafine o que estava no tom

Mas o bem é nômade viajante
E por seu caráter itinerante
Parece tudo habitar, terra e céus

Pois é no universo entre as sinapses
Na eloquência insana das sintaxes
Dentro de todos nós, que mora Deus

Omnipresença

Pela sala adentro
Pelo mundo afora
Em volta e no centro
Antes, depois e agora
Pela redondeza
A tristeza, a tristeza

Na ponta dos dedos
No fundo da alma
Aplacando os medos
Num gesto de calma
Só uma certeza
A tristeza, a tristeza

Na leve aspereza
Do indecifrável
Com a sutileza
Do inexpugnável
Sentada à mesa
A tristeza, a tristeza

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Charada

Não me pertences
Se nem me pertenço!
Proprietário pretenso
Do mundo material:
Teu engano é fatal
Para a vida ter importância
A matéria deve ser banal
E um pouco de tolerância
Nunca fez ou fará mal
Quando a luz nos é dada
Passa a ser o nosso único bem
Até mergulharmos no breu.
Para otimizar esta jornada,
Basta resolver uma charada:

O que não te pertence é de todos
E nada do que tens é teu.